Fica no bar

Sirius engoliu em seco quando Wren falou de sua tatuagem preferida, a imaginação a mil por hora.

Ela estava flertando com ele ou...?

...ele poderia joga a cautela às favas e arriscar uma resposta engaçadinha, se aproximando mais dela do sofá, mas ao invés disso deu um longo gole em seu vinho antes de se sentir confiante para responder a pergunta dela.

- Não sou tão clichê quanto você. - ele sorriu - Tenho só uma - e virou de costa para ela, afastando a gola da camiseta para poder mostrar a silhueta de lobo que ele havia tatuado tantos anos antes. - Meu melhor amigo me desafiou a fazer essa e, bem, eu não sou de negar um desafio.

Valentine se aproximou de Melissa, uma carta do síndico do condomínio nas mãos e o semblante preocupado:

- Você viu isso? - ela olhou para a amiga que fez um não com a cabeça  - O síndico mandou essa notificação dizendo que o prédio está com uma infestação de ratos e que devemos sair por uns 3 dias para resolverem isso.

Melissa se levantou do sofá e puxou a carta das mãos dela para checar o conteúdo:

- Mas que merda - a ruiva resmungou - Se ao menos pudéssemos usar magia na frente dos trouxas isso poderia ser resolvido num piscar de olhos.

- E agora...o que vamos fazer? - Tin estava preocupada.

- Bom, vamos ter que sair, eh? - Melissa deu de ombros - Vou ligar pro Jack e ver se podemos ficar por lá- Jack era o namorado dela e pelo que Valentine se lembrava o apartamento dele era minúsculo.

- Não precisa! - ela se apressou a dizer. Não queria atrapalhar o casal de amigos - Eu...eu vou ficar com uma outra amiga - ela pensou em Wren e foi arrumar suas coisas. 

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Acontece que Valentine Jones podia ser bem teimosa quando queria e acabou por não ligar para Wren no fim das contas. Não queria incomodar a amiga tão tarde da noite.

Ela estava prestes a ir para um hotel quando teve uma ideia: poderia ficar no pub! Pelo que ela bem se lembrava havia um pequeno quarto lá e ela sabia que Wren não se importaria.

Decidindo que aquilo, por hora, era melhor que gastar dinheiro com um hotel ela se dirigiu para o pub e abriu o local com a chave reserva que tinha.

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Wren passou a pontinha dos dedos pela tatuagem de Sirius, as unhas arranhando-o de leve. Apesar da já conhecida corrente elétrica que parecia atravessá-la, ela continuou tracejando o pequeno lobo. Aquela sensação esmagadora sobre seu estômago e a respiração que lhe falhava – junto com os arrepios eu percorriam a própria coluna - deixavam bem claro para a sua cabeça teimosa o que ela estava negando desde que chegara ali: Ela queria Sirius Black.

- É um desenho bonito – ela sussurrou sob a respiração pesada.

Sirius girou um pouco o corpo para encará-la, e Wren não se moveu um único centímetro. Usando a mão ainda pousada na nuca dele, ela o puxou para perto, mantendo sua cautela às favas e beijando-o.


O beijo dos dois esquentou em uma velocidade surpreendente e logo eles estavam a caminho do andar de cima, os sapatos de Wren e a camisa de Sirius perdidos no meio da escada.

Ela podia sentir a madeira fria contra as suas costas enquanto ele tentava, com a mão que não segurava sua cintura sob a blusa, tatear a maçaneta sem parar de beijá-la. A campainha lá embaixo tocou, mas foi ignorada quando ela puxou um punhado dos cabelos negros e novamente quando ele desistiu da porta do quarto e usou as duas mãos para pressioná-la contra o próprio corpo. Somente na terceira vez é que eles se afastaram.

- É melhor você ver quem é – Wren sorriu e mordiscou o lábio inferior dele.

Enquanto Sirius estava lá embaixo, Wren resolveu procurar o banheiro – queria conferir se não estava uma bagunça completa. A porta que julgou ser do sanitário, na verdade, se abriu para um grande quarto de casal – provavelmente o maior da casa. Espiando o corredor (ela sabia que Sirius não vinha subindo porque ouvia sua voz na porta de entrada), ela entrou no quarto, a curiosidade falando mais alto.

Sobre a grande cômoda de madeira, uma bandeja com perfumes e cremes femininos estava disposta ao lado de uma série de fotografias. Em uma delas, Sirius, um rapaz de cabelos negros e despenteados e um mirrado rapaz aloirado estava juntos, vestindo o que parecia ser um uniforme escolar. Na outra, Sirius e o rapaz de cabelos despenteados brindavam com grandes canecas junto com uma jovem ruiva e, no último, a mesma ruiva segurava um bebê.

O sorriso de antes foi prontamente substituído por sobrancelhas franzidas, e Wren prestou atenção ao seu redor. Um dos criados mudo tinha um livro sobre maternidade, e, se aquilo não fosse indício suficiente da presença de uma mulher, a porta do armário, ligeiramente aberta, deixava entrever uma vasta coleção de vestidos.

Filho da puta.

Sentindo como se tivesse levado um soco no estômago, Wren desceu as escadas catando as suas coisas, e só não fez um escândalo ali mesmo porque um senhor com uma esquisita e longa barba branca estava parado à porta com Sirius.

- Eu preciso ir embora – ela ainda terminava de vestir a jaqueta quando se aproximou deles. Virando-se para o senhor, cumprimentou-o com a cabeça. - Boa noite.


”Saudades de Londres. Essa cidade é tão pequena que eu quase dormi com um cara casado” Dizia a mensagem que ela escreveu para a melhor amiga assim que entrou no carro.

Remus chegara tarde da noite naquele domingo. O motorista dos pais o trouxera de Londres, e ele estava exausto. Ainda poderia ter ficado mais alguns dias na cidade, mas todas as lembranças de sua vida pré-acidente ainda eram dolorosas por demais, e, além disso, ele precisava de um tempo sozinho para processar os resultados dos seus exames.

Justamente porque pretendia ficar sozinho, Remus preferira ir para o Irish, em vez de ir pra casa (Ninguém nunca ficava sozinho com Wren por perto).

O salão estava meio bagunçado – ele devia ter imaginado que a irmã encerraria o turno de domingo meio de qualquer jeito – e havia luz nos fundos. Antes que ele pudesse se chatear com o esperdício, uma música baixinha se fez ouvir e ele entendeu que havia alguém no quarto dos fundos.

(Não podia ser um ladrão, ele pensou, ou o caixa já estaria arrombado).

Se deixando levar pela curiosidade, ele se aproximou silenciosamente. As sobrancelhas banhadas pela luz do cômodo se uniram em estranhamento e os lábios se entreabriram. Sem acreditar no que via, ele piscou mais algumas vezes, mas nada mudava na cena à sua frente.

Aquilo era impossível.

Valentine estava inclinada sobre o balcão da cozinha lendo um livro distraidamente enquanto a varinha apontava para a pia - ela tinha feito um chá e não ia gastar sua energia lavando a louça do jeito trouxa.


Time after time, da Cindy Lauper, tocava no rádio quando ela ouviu um barulho do lado de fora do cômodo e aquela pequena distração foi o suficiente para que a xícara que levitava em direção à pia caísse no chão, se espatifando.

- Meleca - ela resmungou e se aproximou dos cacos com cuidado antes de lançar um reparo nos pedacinhos aos seus pés. Em segundos segurava uma xícara novinha em folha em suas mãos. Ela ouviu novamente um barulho e guardou a varinha no bolso traseiro da calça (Ah, se Alastor Moody a visse...) - Wren? - ela chamou em voz alta. - Sirius?

Começou a ficar preocupada quando não obteve resposta. E se fosse um ladrão?

{bom, se fosse um ladrão ela iria estuporá-lo, pode apostar}

Ela abriu a porta da cozinha com tudo e quase deu um esbarrão em Remus Lupin.

- R-remus. - falou, surpresa.

- O que você está fazendo aqui? – Remus perguntou de supetão, sendo mais rude do que pretendia ser.

Seus profundos olhos azuis estavam fixados na mão de Tin, onde a xícara cujos pedacinhos estavam no chão há apenas alguns segundos jazia perfeitamente inteira.

- E o que você estava fazendo? – ele levantou o olhar até os grandes olhos da menina, curioso.

Valentine percebeu que os olhos de Remus estavam fixados na xícara de chá em sua mão. Ele não tinha visto, né...?

Se sim, ela estava frita.

- Eu tava bebendo chá - ela disse, fingindo inocência - Você aceita um pouco?

Sem esperar resposta, correu para dentro da cozinha e pegou outra xícara para servi-lo. Torcia para que ele não fizesse mais perguntas - ela era uma péssima mentirosa quando sobre pressão.

- É chá de camomila. - ela começou a tagarelar, sabia que aquilo iria distraí-lo - Você chegou de viagem agora? Poxa, seja bem vindo de volta. Se soubesse teria preparado um bolo de boas vindas. A Wren já sabe?

Ela derrubou um pouco de chá na mesa.

Merda! Se Remus realmente tivesse testemunhado ela fazendo magia ela estaria em apuros - iria levar uma advertência e ele teria que ser obliviado para esquecer o ocorrido. Merda.

- Ahn...e quanto a primeira pergunta... - ela ergueu os olhos para ele, notando a barba por fazer do rapaz - Eu preciso ficar fora do meu apartamento por uns 3 dias e...bom, vim pra cá. Mas se não puder ficar eu vou pra um hotel ou algo assim.

Toda a tagarelice de Valentine estava deixando-o meio zonzo, e Remus apenas rolou sua cadeira atrás dela, parando no meio da cozinha.

- Eu...meio que queria usar o quarto essa noite – ele suspirou, esfregando o olho – A Wren disse que você poderia ficar?

Como Valentine começara a pedir mil desculpas diferentes daquele jeito elétrico e exagerado de sempre, ele precisou falar mais alto para impedi-la.

- JONES. – uma vez que conseguira a atenção dela, ele continuou – Eu não quero que você vá embora, eu só te perguntei se você falou com a minha irmã.

Mais uma vez, Tin começara a se embolar, e Remus apenas suspirou, impaciente.

- O quarto daqui mal tem o suficiente para passar uma noite, Valentine, quem dirá três dias. Pegue suas coisas e chame um táxi.

Valentine aquiesceu. Ordens eram ordens, eh?

Ela foi até o pequeno quarto e começou a juntar suas coisas, desanimada. Remus expulsá-la dali era mais uma pequena prova do quanto ele a detestava.

Ela não demorou muito para se organizar - não tinha tido tempo para fazer bagunça - e puxou sua pequena mala (o objeto se expandia do lado de dentro) de volta até a cozinha e ficou uns minutos observando Remus estudar a xícara que ela quebrara com atenção.

Ai, merda. E pra adicionar pra sua lista ela ainda teria que responder a uma advertência em breve.

- Er...já arrumei tudo. - ela olhava para o chão - Eu..eu vou ligar e esperar o táxi lá fora. - ela quase saiu correndo do pub. Do lado de fora, se encostou em um dos vários hidrantes que haviam espalhado pela calçada e puxou o celular para ligar para a companhia de táxi que conhecia.

Arg, o pior de tudo é que ela não conhecia nenhum hotel bom e barato por ali.

Minutos depois, Remus se aproximou dela:

- Como foi a viagem? - ela perguntou só pra se distrair. Tinha prometido a si mesma que não ia levar aquilo pro lado pessoal.

- Nada além do esperado – ele deu de ombros – você se importa de pegar minha mala? Está logo do lado da porta. Eu traria se pudesse, mas...


Assim que entraram no táxi, Remus deu o endereço da antiga casa dos avós, sem deixar nenhum espaço para Valentine falar algo com o taxista.

- Eu acho que a Wren deve ter espalhado a bagunça dela pelos quartos de hóspede, mas ainda é melhor que o quartinho empoeirado – ele sorriu para ela, enquanto tirava o cinto de segurança e pagava o taxista – o senhor se importa de descer com as malas?


A casa dos Lupin estava escura, mas Remus não teve problema para abrir a porta ou circular pela sala.

- Eu te dou o tour aqui embaixo, mas lá em cima você vai ter que se virar, ok? – Ele sorriu mais uma vez, voltando a se parecer com o Remus gentil e educado de que Valentine ouvira falar.

Tin seguia Remus pela casa sem acreditar no que estava acontecendo. Ele ia mesmo deixar ela passar a noite ali? E ele tinha mesmo, pela primeira vez desde que o conhecera, dado um sorriso sincero em sua direção?

Teve que se segurar para não abraçá-lo.

- Eu prometo que amanhã procuro um hotel - ela tratou de dizer enquanto o seguia pela casa - Prometo mesmo. 

Ele parou de andar com a cadeira e ela quase tropeçou nele.

- Eu posso até dormir no sofá da sala, não preciso ficar no quarto de hóspedes se isso for incomodar a Wren - ela tagarelou e sentiu o pulso acelerar quando ele a encarou.

- Valentine – Remus a encarou, sua voz firme, porém amável – Fique o tempo que quiser. A casa bem maior do que precisamos, de qualquer jeito.

Depois de mostrar a Valentine onde ficava cada cômodo do andar debaixo, ele se despediu com um “Boa noite, Tin. Fique à vontade.” e foi para o quarto. Assim que fechou a porta atrás de si, ouviu o barulho de algo que parecia ser alguém tropeçando em algo no andar de cima, e riu sozinho. Pelo menos ela não era tão desastrada com uma faca na mão.


Por mais cansado que estivesse, Remus não conseguiu pregar os olhos. Ele sabia que não devia contar para ninguém ainda, mas as notícias eram tão empolgantes que ele mal conseguia se conter. Só Deus saberia por que milagre ele conseguiu não contar para Valentine.

Recuperação. Era uma chance pequena, mas já era um prognóstico melhor que o de meses atrás. Os médicos estavam confiantes de que Remus conseguiria recuperar pelo menos parte dos movimentos. Em sua cabeça, no entanto, ele já criava expectativas de voltar a fazer tudo o que ele fazia antes, sem estar grudado àquela cadeira de rodas.

Voltar a correr. Enfiar os pés na areia. Nadar... Ele seria capaz de prometer participar de um concurso de dança, se isso fosse adiantar sua recuperação.

Cansado de ficar na cama, ele resolveu dar uma volta pela casa – ver tv, tomar um chá, ler alguma coisa... Qualquer coisa que o ajudasse a se distrair. Sem se importar de acender a luz – já conhecia cada canto e caminho dali -, ele estava passando pela escada quando um gritinho o assustou.

Repentinamente, ele sentiu um peso sob seu colo e, por instinto, abraçou-o.

- Tin? – ele estreitou os olhos, reconhecendo o cabelo escuro dela - Você está bem?

Valentine não conseguia pregar os olhos  - sempre tinha dificuldade para dormir em uma cama diferente da dela e depois de se virar várias e várias vezes decidiu pegar um copo de água.

Os olhos dela se acostumaram à escuridão e ela foi tateando com as mãos até alcançar o corrimão da escada. Desceu cada degrau com cuidado e estava prestes a comemorar ao alcançar o último degrau quando tropeçou no grosso carpete que havia ali.

{por que diabos havia um carpete em uma casa com um cadeirante ela não saberia responder}

Ela soltou um gritinho e fechou os olhos para se preparar para o impacto com o chão. Ficou surpresa ao perceber que havia caído em algo macio e que cheirava a loção de barbear:

- Tin? Você está bem? - a voz de Remus tão próxima do ouvido dela fez com que seu coração acelerasse.

- Aham. E-eu...me desculpa. - ela tentou se desvencilhar dos braços dele, mas seu nervosismo pela proximidade dos dois não a ajudou em nada - Eu tropecei no tapete. Você tá bem? Eu não te machuquei, né?

Ela o segurava pelos ombros e ficou vermelha ao perceber que ele estava sem camisa.

Ainda bem que estava escuro.

- ahmn.. – Remus demorou um pouco para juntar os pensamentos. As únicas mulheres que se aproximavam tanto dele eram Wren (campeã mundial em invadir o espaço pessoal alheio) e profissionais da área de saúde.

- Eu tô bem – ele pigarreou, nervoso. Aparentemente, junto com os bons modos e a boa vontade do velho Remus, voltaram também a timidez e a falta de jeito. – Você não torceu o pé, torceu? Tem um kit de primeiros socorros no banheiro se você precisar e...

Um rápido silêncio se instaurou entre os dois, e ele sorriu fracamente.

- Acho que peguei o seu hábito de tagarelar.

Foi com muito esforço que Sirius se afastou de Wren e ele desceu as escadas pisando duro, muito bravo por ter sido interrompido.
 
Ele abriu a porta com tudo sem antes checar o olho mágico, um palavrão na ponta da língua. Aquele visitante incômodo não sabia o que estava interrompendo? Merlin, se fossem um dos adolescentes da vizinhança pregando peças nele eles iam ver só...!
 
- Dumbledore - ele falou surpreso ao ver o diretor de Hogwarts parado diante dele.
 
- Sirius – Dumbledore passou os olhos por ele, tomando para si a aparência de seu ex-aluno. Cabelos bagunçados, camisa amarrotada...os olhos azuis dele pousaram na mesinha de centro da sala e ele viu dois copos vazios ali. Não era preciso ser um gênio para saber o que poderia estar acontecendo – Estou atrapalhando?
 
Sirius pigarreou e tentou deixar o desejo que sentia por Wren de lado por uns minutos.
 
- Não. O que o trás aqui, senhor? - ele tentou adotar um tom mais casual.
 
- É sobre o Harry. – Sirius ajeitou a postura ao ouvir o nome do afilhado

- Aconteceu algo? - ele perguntou, preocupado e antes que Dumbledore pudesse lhe responder, Wren passou praticamente voando por eles, murmurando que precisava ir. Sirius, no momento, não ligou - tinha um assunto muito mais importante em mente e sempre poderia se acertar com Wren depois.

Convidou Dumbledore para entrar e o diretor lhe explicou as boas novas: ele poderia visitar Harry uma vez por semana!

Sirius ficou deveras feliz. Não via Harry há anos e mal via a hora de conseguir a guarda dele de vez.

A respiração de Valentine estava ruidosa e ela se segurou para não passar os braços ao redor do pescoço de Remus. Fazia tanto tempo que ela não se aproximava de alguém do sexo oposto de um jeito mais íntimo que aquela situação com o chefe a fez perceber o quanto ela sentia falta daquele tipo de contato físico.


Foco, Valentine Jones!

- Eu tô bem - ela falou, baixinho - Obrigada por me salvar.

Ela ficou tão nervosa que seus poderes saíram um pouco de controle: um enfeite de vidro numa prateleira se espatifou no chão e aquilo foi o suficiente para trazê-la de volta à realidade. Ela se levantou apressada e tateou até o interruptor, acendendo a luz.

Piscou algumas vezes até se acostumar com a claridade e olhou para Remus, tentando agir com naturalidade.

- Ahn...você tá bem mesmo? Eu sou pesada. - ela evitava olhá-lo nos olhos (e tentava fingir que não estava auto consciente por conta do pijama que usava - shorts e uma camiseta da Grifinória)

- Firme e forte – Remus assentiu, e se odiou por aquilo.

Porque ele estava se sentindo nervoso com Valentine? A mesma Jones desastrada que manchara pelo menos três de seus dólmãs?

E Céus, há quanto tempo ele não se sentia nervoso com uma mulher?

Sem saber que o enfeite quebrado tinha relação com ela, Remus não ligou para aquilo, atribuindo o acontecido a alguma corrente de vento.

- Quer um chá? Eu estava indo para a cozinha...

Enquanto Tin zanzava pela cozinha, ele a observava. Os cabelos estavam negros estavam soltos – o que era uma raridade, dado o trabalho deles – e a camiseta bordô contrastava com a pele branca. (Ele precisou se reprimir quando seu olhar recaiu nas pernas dela de um modo muito mais masculino que a relação deles permitia).

- Então... Grifinória, eh? O que é isso?

- É... - Valentine não sabia que desculpa inventar - É uma banda.  - ela falou a primeira coisa que lhe veio à mente e fez uma careta. E se Remus inventasse de pesquisar sobre? - Quero dizer...era a minha banda. Da época da escola.

Ficou satisfeita ao ver que sua voz soara natural ao contar aquela mentira. Não estava sendo tão desonesta assim, afinal - Grifinória fizera parte da sua vida acadêmica e ela tinha tentado montar uma banda com as amigas da época (e ela gostava de cantar)

Ela pegou as xícaras para eles e só ali na claridade da cozinha é que ela viu a tatuagem no ombro dele - algo totalmente inesperado para Remus Lupin.

- Você tem uma tatuagem! - ela exclamou e se aproximou dele para analisar o desenho melhor (claro que tentou manter uma distância considerável para não causar nenhum desconforto para os dois) - Que surpreendente!

Ela riu da careta que ele fez.

- Você tem que admitir que uma tatuagem é algo mais Wren... - deu de ombros

- Uma banda? – ele riu, sacudindo a cabeça – Você não parece o tipo de garota que toca guitarra ou baixo, Valentine Jones. Mas até que eu consigo imaginá-la com um ukelele – ele a provocou, com um risinho insistente no rosto.

O Chá de Camomila tinha sido adoçado com mel, e o lembrou das bebidas quentes que a vó servia naquela mesma cozinha, mas Remus logo se distraiu com o comentário dela sobre a tatuagem.

- Tem o dedo dela nisso – ele deu de ombros, observando a pequena lua cheia pontilhada – foi uma aposta – ele sorriu, e deu mais um gole no chá.

Valentine tinha sentado em uma cadeira à sua frente, e, através da fumaça fumegante de suas infusões, ele a observou aquecer as mãos na xícara, enquanto bebericava da bebida.

- Você é boa com segredos? – ele esperou que ela assentisse os grandes e curiosos olhos azuis – Meus médicos em Londres, eles... eles acham que há uma chance de eu me recuperar.

A voz saíra quase embolada, mas ouvir a própria voz dizendo aquilo era provavelmente o que ele precisava para acreditar de verdade naquele prognóstico.

- Ninguém pode saber – ele falava sério, mas era impossível afastar o sorriso do rosto.

Por sorte, a hospedagem de Valentine na casa dos Lupin coincidiu com os dias de folga do Isirsh Pub. Com ela e Remus lá, Wren passava a maior parte do tempo acompanhada, o que a impedia de pensar demais nos acontecimentos do domingo. Ainda assim, a quantidade de cigarros que ela vinha consumindo aumentou drasticamente (apesar dos protestos de Tin).

Tamanha agonia tinha tantos motivos quanto aquela ficada tinha complicações.

O primeiro dos motivos era o fato de que Sirius era seu funcionário. Wren Lupin era, oficialmente, uma assediadora. E se isso tinha acontecido nos primeiros meses como gerente de qualquer coisa, ela não queria nem imaginar em quanto tempo ela se tornaria um dos nojentos sócios do pai.

Pontos pela responsabilidade e pelo profissionalismo, Catherine!

(E é claro que aquilo desembocava no medo dela de que o Irish não desse certo)

O segundo dos motivos era o fato de que Sirius era casado. E aquilo a incomodava não no sentido de “droga, não posso ter o que eu quero”, mas, antes, porque esse cara bonito, divertido e tão parecido com ela em tantas coisas não só escondia que tinha uma esposa, como ainda a traía (na própria casa, para completar o pacote de canalhices). Como todos os velhos que frequentavam o mesmo clube que a família dela há tantos anos.

(E é claro que a esposa do imbecil tinha que ser uma ruiva deslumbrante)

O terceiro era que ele tinha um filho. Ela não tinha a menor pretensão de ficar com Sirius depois de tudo aquilo, mas mesmo que ele estivesse se divorciando da esposa, existia uma criança, e ele tinha tido a coragem de esconder o filho. Exatamente como ela vira o pai fazer tantas vezes, gabando-se aos amigos dos feitos do primogênito e ignorando completamente a existência dela.

( E é claro que ela sentia pena da pobre criança).

O quarto motivo era o fato de que mesmo esse cara que passou praticamente todas as noites dos últimos meses ao seu lado foi capaz de imaginar que se alguém seria ideal para ser a amante, ainda que apenas por uma noite, este alguém seria Wren. Assim como os pais de suas amigas na época do colégio, que jamais perdiam a chance de dar em cima dela. Assim como o próprio pai, que mais de uma vez dera a entender que a filha vendia o corpo.
(E é claro que aquilo era o que mais a magoava).

Em apenas uma noite, Sirius Black conseguira agregar a raiva que ela sentia de todos os homens canalhas que já cruzaram o seu caminho.

E ainda tinha a maldita fiação antiga daquela casa, que oscilava em qualquer cômodo que ela fosse, apenas para irritá-la ainda mais.

****

”E pq você não coloca ele pra fora?”
”Não posso, Lex. Fui eu que o beijei, tenho que arcar com isso”
”? por que?”
”Já te falei: projeto Wren adulta responsável.
Não é sobre minha vida, é sobre o bar.
E o filho da mãe vende tequila como se fosse água no deserto”


****

Quando Sirius chegou para trabalhar na quarta-feira, Wren fumava na porta do pub. Antes mesmo que ele falasse algo, ela o cumprimentou, sem muita emoção.

- Hey. Tem uma lista em cima do balcão com as coisas que eu preciso que você faça. – ela deu uma tragada antes de continuar falando – Vou resolver umas coisas na rua hoje. Se tiver alguma dúvida, pode perguntar pro Remus.

Valentine quase derrubou a caneca que segurava quando Remus lhe contou as boas novas.
 

 – Jura? – ela perguntou, os olhos azuis arregalados de surpresa. Ele assentiu e o sorriso dele era tão contagioso que ela se pegou sorrindo de volta, tão empolgada pela notícia quanto ele - Que bela notícia, Remus! 

Pelo que Wren tinha lhe contado, Remus era um ótimo rapaz antes do acidente e ela adoraria conhecer aquela versão dele. Não que atualmente ele fosse tão ruim assim, mas ela gostaria muito que ele conseguisse ter um pouco de paz consigo mesmo e que voltasse a andar para cozinhar ao lado dela.

- Quando você ficar bom de novo a gente faz uma dança pra comemorar - ela ergueu o mindinho, para selar a promessa com ele.

A semana passou mais rápido do que Remus esperava. Antes que ele desse por si, estava cortando e porcionando ingredientes para o especial da sexta-feira.

- Tin – ele a chamou naquela tarde, enquanto refogava tirinhas de filé – você acha que consegue dar conta sozinha por umas duas horas?

Ele não queria contar para ninguém o que faria às cinco da tarde, mas o sorriso que tremelicava seus lábios e insistia em crescer em seu rosto devia entregá-lo, porque ela logo lhe perguntou qual a boa notícia.

- É a primeira sessão da fisioterapia nova – ele confessou, quase envergonhado das próprias expectativas.

O primeiro dia foi difícil: Wren tinha toda essa energia raivosa dentro dela e por umas duas vezes ela pensou seriamente em puxar uma briga com Sirius – sim, uma briga porque ela com certeza queria estapeá-lo – mas a decisão que tomara em sua folga ainda estava valendo, e ela não o demitiria. A burrada de beijá-lo tinha partido dela, afinal de contas.

Em certo ponto da noite, logo após seu sangue borbulhar ao ver duas garotas flertando com ele, uma garrafa de vodka quebrou em sua mão (o que é uma gota de azar para quem tem um copo cheio, certo?). E foi justo ali, enquanto ele a ajudava com o curativo, que ela concordou em concedê-lo folga no domingo, os ouvidos zunindo tanto pela música alta e pela visão do sangue que ela sequer ouvia as justificativas dele.

Nos dias seguintes, ela simplesmente absorveu a raiva. Ainda não conseguia lidar muito bem com ele, o orgulho ferido falando alto, mas era o melhor para o bar.

Só que se continuasse assim, Wren acabaria explodindo.

Exatamente por isso que ela estava tocando a campainha de Sirius no domingo à noite, as mãos enfiadas nos bolsos da sua jaqueta.

- Eu posso ser muitas coisas, mas não o tipo de pessoa que escolhe ferir os outros. – ela disparou, assim que ele abriu a porta – E o fato de você querer me usar pra isso faz com que eu queira te dar uma garrafada na cabeça.

O rosto de Valentine se iluminou ao escutar Remus falar da fisioterapia - vê-lo animado com a própria recuperação a deixava muito, muito satisfeita:

- Claro que dou conta, Remus - e então ela notou a hesitação dele e teve uma ideia. Tirou o colar que usava e, segurando o pulso dele, depositou o objeto na palma de sua mão. - Esse é um colar de pedra da lua. Pra dar sorte. 

E ela o encarou nos olhos:

- Vai dar tudo certo...tá? - ela apertou a mão dele e ia falar mais alguma coisa, mas o relógio com timer apitou e ela correu para desligar o forno.

____

Sirius ficou tão em êxtase com a notícia que Dumbledore lhe deu que o beijo trocado entre ele e Wren ficou em segundo plano pelo resto do fim de semana e ele só veio notar que havia algo errado de fato quando chegou para trabalhar na Quarta-feira e Wren o cumprimentou secamente. Na cabeça dele aquele comportamento da chefe era um sinal para ele evitar o assunto deles dois e assim ele o fez: deu de ombros e foi fazer seu serviço porque com certeza tudo ficaria bem eventualmente.
 

Mas ao invés das coisas retornarem ao normal, Wren continuou distante e nem pareceu lhe dar ouvidos quando ele pediu uma folga no Domingo para passar o dia com Harry. Naquele momento, enquanto enfaixava a mão dela, Sirius sentiu que precisava colocar as coisas em pratos limpos, mas novamente decidiu pelo oposto do que sua intuição lhe falava. Se Wren não falasse primeiro, ele é que não falaria (ele não era muito bom com aquele tipo de diálogo e, por Merlin, ele precisava do emprego)

- Pronto, chefe - ele sorriu e ficou observando o trabalho que fizera em sua mão. Wren apenas o agradeceu e voltou para o bar. 

Confuso, Sirius foi atrás dela e os dois resumiram suas respectivas atividades.

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A primeira coisa que Sirius pensou ao ver Harry James Potter pela primeira vez é que o menino de sete anos era a cópia de seu melhor amigo (exceto pelos olhos verde esmeralda de Lily) e ele teve que prender o fôlego e torcer para que a ardência em seus olhos não se transformassem em lágrimas.

A segunda é que ele gostaria muito de estuporar os Dursley: o estado franzino do afilhado mais as roupas vários números maiores e óculos remendados gritavam negligência e o modo como Harry se encolheu quando ele fez menção de bagunçar seus cabelos partiram seu coração, mas ele se segurou porque violência não resolveria nada (e porque Dumbledore lhe lançou um olhar como se tivesse lido os pensamentos dele, aquele tipo de olhar que diz "controle-se")

- E então, Harry, já ouviu falar sobre seus pais? - Harry deu de ombros enquanto comia o bolo que Sirius tinha encomendado com Valentine. 

Ah. Ele devia ter imaginado. Lily sempre reclamava da irmã e do cunhado.

- Só sei que eles morreram num acidente de carro - a vozinha dele falou depois de alguns minutos de silêncio.

Sirius soltou um palavrão:

- Você não escutou isso - ele tratou de se corrigir e Harry esboçou um sorriso - Eles não morreram num acidente de carro coisa nenhuma! Olha só...você sabe o que é Hogwarts?

E quando o garotinho negou, Sirius passou a mão pelos cabelos. Tinha muito a explicar.

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Harry estava cochilando no sofá - tinham passado o dia no parque - e ele preparava o jantar quando a campainha tocou e ele largou tudo (lançou um feitiço para que os ingredientes se preparassem sozinhos) para atender antes que o barulho irritante acordasse o garoto.

Ficou surpreso ao ver Wren e mais ainda quando ela começou a falar um monte de coisas sem sentido.

- Ahn...não sei do que você está falando e nem porque mereço uma garrafada - ele franziu a testa - Mas imagino que esteja havendo algum mal entendido?