“Egoísta, grosseiro, arrogante...” Enquanto ela tentava alimentar sua raiva de Sirius, um buraco parecia se abrir mais e mais em seu peito. Embora estivesse sempre mascarando seus sentimentos, a verdade é que Sarah se sentia extremamente sozinha, desde o momento em que entrara no trem para Hogwarts e suas amigas a tinham trocado por três garotos quaisquer. E agora isso parecia ter acontecido há tanto tempo... Só agora ela se tocava de que Sirius Black tinha sido o único capaz de aplacar essa sua sensação. Emma e Abby ajudavam, é claro, mas ao contrário delas, com ele ela não se sentia como se precisasse ultrapassar alguma diferença. Era... fácil.
Bem, obviamente ela se enganara.
Sarah passou o resto da noite em silêncio, forçando sua mente a pensar em qualquer coisa que a ajudasse a segurar as lágrimas que insistiam em se apresentar vez ou outra.
As detenções de sábado e domingo foram igualmente silenciosas – e um pouco menos penosas para a garota porque ela fora capaz de substituir seu ressentimento por uma boa dose de raiva. No fim das contas, era melhor, certo? O que ela imaginou? Que viraria melhor amiga de Sirius Black? Aquilo era ridículo, e o que ela precisava era voltar para casa.
Na segunda à tarde a aula de Defesa Contra as Artes das Trevas havia sido cancelada, e Sarah ocupava uma pequena mesa no canto do salão comunal, um enorme livro sobre vira-tempos à sua frente. Por mais que ela tentasse se concentrar, não era um trabalho fácil. Se não bastasse o barulho de pessoas felizes ao seu redor, o livro era basicamente uma coletânea do que ela já lera antes – ou seja, lhe era inútil. Quando estava quase desistindo, sentiu alguém se aproximar dela. Seu coração acelerou um pouco de ansiedade, mas a voz aguda de Peter Pettigrew funcionou como um balde de água fria.
- Oi, Sarah!
Ela suspirou, os olhos fechados, tentando reunir qualquer resquício de boa vontade que a fizesse ser simpática com ele. Porque diabos Peter estava sempre por perto? Sem encará-lo, rabiscando um garrancho qualquer no pergaminho à sua frente, ela tentou emular alguma animação.
- Ei, Pettigrew...
Peter pigarreou, claramente tomando coragem para falar algo. Merlin, como ele a irritava.
- Eu, er... Nós.. nós achamos seu pufoso no dormitório. Não sei como ele foi parar lá – com uma tentativa de sorriso, ele deu de ombros.
- Oh... – Ela finalmente o encarou, pegando Mira das mãos do rapaz – Obrigada.
-P-por nada... O que você está lendo? – Ele se inclinou para ler as páginas do livro aberto, ao que Sarah reagiu imediatamente, jogando os braços por cima.
- História da Magia – ela sorriu amarelo – Tenho bastante coisa atrasada para fazer – ela tomou o cuidado de alongar as sílabas do advérbio, numa tentativa de dizê-lo para deixa-la sozinha. Funcionou:
- Er, bem... Não vou te atrapalhar. A gente se fala. Bom trabalho! – Peter se virou e foi em direção aos marotos. Sarah o observou se afastar e, por um breve momento, seu olhar cruzou com o de Sirius (abraçado com Marlene), mas a garota fez questão de desviar rapidamente, fazendo carinho na sua bolinha rosa de pelos – que parecia fugir dela todo o tempo.
******
A terça-feira era um ótimo dia, principalmente porque Sarah só tinha uma aula com os Marotos. É claro que, porque a vida nunca pode ser fácil demais, os quatro rapazes estavam reunidos à porta da sala quando ela chegou. Passando por eles de cabeça baixa, a garota se juntou aos demais alunos que estavam de fato adentrando a sala de aula e xingou mentalmente quando alguém se esbarrou nela.
O professor Flitwick não demorou para se apresentar, e foi só então que Sarah começou a tirar seu material de dentro da mochila. Entre o livro de feitiços e o pequeno estoque de pergaminhos, ela apalpou algo que não reconheceu. Parecia uma pequena embalagem com algo... fofo dentro. Puxando o objeto desconhecido para fora de sua bolsa, ela reconheceu ser um bolinho de caldeirão, com um pedaço de pergaminho colado magicamente ao embrulho.
S.B.
Assim que ela leu o bilhete, sentiu o coração acelerar um pouco e, instintivamente, girou a cabeça para o local onde sabia que Sirius estava, e seus olhares se cruzaram uma vez mais. Sarah piscou algumas vezes, confusa sobre o que estava sentindo, e, com um suspiro, voltou a sua atenção para o pequeno professor. O que Sirius esperava dela, afinal de contas?
A garota não conseguiu prestar atenção em uma palavra daquela aula. Tinha deixado o bolinho num canto de sua mesa, e volta e meia olhava para ele, perdida em infinitas ondas de ressentimento, orgulho e chateação. Quando Flitwick finalmente os liberou, ela jogou seu material de qualquer jeito na mochila, querendo sair dali o quanto antes. O bolinho permaneceu no canto da mesa que a garota ocupou, mesmo depois de ela já ter virado o corredor do lado de fora.
***
Por causa da semana de detenções, Abby, Emma e Sarah decidiram se encontrar também na sexta-feira. Precisavam correr atrás do tempo perdido nas pesquisas, e ninguém mais que Sarah adoraria poder voltar para casa agora. Por alguma ironia do destino, naquela noite Emma estava atrasada. Abby e Sarah trabalhavam em silêncio, quando a lufana quebrou o silêncio:
- Ok, o que tem de errado com você?
Sarah apenas a encarou com uma expressão de dúvida no rosto.
- Você passou a semana toda murcha, e... Você não é assim. Quer dizer, você é reservada, mas você sempre faz alguma piada sarcástica para manter distância. Daí de repente você me para no corredor dizendo que quer muito voltar para casa e que apreciaria bastante se eu ajudasse, e fica aí, toda... Xoxa! Parecendo até uma Mandrágora sem voz. Você não é assim, Sarah!
A morena deu de ombros antes de começar a balbuciar uma resposta, fitando o livro à sua frente.
-Eu... ahmn... Sirius Black. Ele me disse algo e, bem, isso me chateou.
Abby se manteve em silêncio e, depois de um tempo, Sarah levantou o olhar, percebendo que a outra a encarava.
- Quê?
- Tô esperando você terminar de contar a história! Alguém te fala alguma coisa e você se chateia esse tanto? Me conta tudo, vai. Do começo.
Com um suspiro, Sarah começou a contar como Sirius a abandonara na detenção, como ela ficara chateada e, ao confrontá-lo, ele tinha conseguido magoá-la sem sequer se esforçar para isso. Abby a ouviu em silêncio e, depois que Sarah terminou de falar, ela permaneceu assim por mais um tempo. Quando a grifinória já tinha voltado a ler o livro, Abby quebrou o silêncio novamente.
- Sarah... Se eu te contar uma coisa... Você promete guardar segredo? – Sarah levantou o olhar, curiosa e acenou afirmativamente. A lufana continuou – Eu... Eu sei porque o Sirius fugiu da detenção. Mas você precisa prometer segredo.
- Abby, eu tenho certeza de que ele só faltou para se agarrar com a Marlene, e...
- Não! Não tem nada a ver com isso. Jura que não conta para ninguém?
Sarah suspirou, impaciente.
- Juro, já disse. Você vai contar ou não?
Abby mordeu o lábio inferior, a dúvida estampada em sua face.
- Semana passada, foi... Foi lua cheia. O Sirius... ele precisava ajudar o Remus.
- O Remus? Hã? Do que você? Tá falando?!
- Sarah, o Remus... O Remus é um Lobisomem. E você precisa me prometer que não vai contar isso para ninguém. Mesmo. O Remus é um lobisomem e os marotos são animagos clandestinos. Eles fogem toda lua cheia para fazer companhia ao Remus. Por isso os apelidos – Aluado, Almofadinhas, Pontas e Rabicho.
Sarah encarou Abby durante um tempo, tentando absorver o que ela lhe falava. “Meu amigo precisava mais de mim do que um banheiro imundo!” a voz de Sirius ecoou em sua cabeça. “Eu tive que resolver um negócio urgente”. “Tarde demais para pedir desculpas?”. A garota sentiu o corpo escorregar pela cadeira.
- Eu preciso pedir desculpas – ela murmurou, falando mais para si que para Abby.
- Sarah, por favor, ninguém pode saber do Remus, sim? E se você falar pro Sirius que sabe, eles vão saber que fui eu que contei e...
Sarah balançou a cabeça para os lados.
- Não precisa se preocupar, Abby.
Então Sirius não abandonara por qualquer motivo tolo que ela imaginara. Ele tinha um motivo, um motivo perfeitamente razoável. E ele ainda tentara se desculpar. Merlin! – A garota sentia seu estômago se embrulhando com toda aquela informação, e a vontade de sair correndo dali era quase maior que ela. Mas ela tinha um compromisso, e ela precisava terminar sua reunião com Abby – Amanhã. Na primeira oportunidade. Ela precisava se desculpar.
******
Sarah demorou para dormir na noite de sexta e, consequentemente, acordou tarde no sábado. Com sorte, ela teria meia-hora para se arrumar e comer se quisesse assistir o começo do jogo. Enquanto vestia meio sem jeito a primeira blusa vermelha que encontrara em seu armário, a garota não pôde deixar de sentir uma pontada de decepção por não conseguir falar com Sirius antes da partida. Bem, talvez fosse para o melhor. Depois do jogo. Sem falta.
Sarah encontrou com Emma e a loira a convencera a apostar no resultado do jogo. Antes do fim da manhã, a grifinória se arrependeria de ter topado a aposta – Regulus Black se mostrara um dos melhores apanhadores que ela já tivera a chance de ver, e os balaços lançados por Rodolphus e Rabastan lestrange eram tão bons quanto eram ruins o goleiro e um dos artilheiros da Grifinória. Sonserina ganhou com uma diferença enorme na pontuação. O time dourado e vermelho seguiu em silêncio direto para a torre no sétimo andar, numa espécie de procissão fúnebre, e mais uma vez Sarah não conseguiu falar com Sirius.
Quando a garota chegou ao seu salão comunal, não havia ninguém do time por ali, e os demais alunos pareciam ter arranjado algo melhor para fazer. Dois monitores retiravam as decorações com acenos da varinha - nada mais impactante para o espírito estudantil que uma derrota lavada.
Se esgueirando, Sarah subiu na ala masculina dos dormitórios. Sabia que não sossegaria enquanto não conseguisse falar com Sirius, então, que mal havia em arriscar? Bateu timidamente na porta do dormitório que julgou ser deles, e ouviu James dizer, abafadamente “Vai embora!”. Insistiu mais uma vez, e ouviu passos. James abriu a porta, a cara emburrada.
- Austrália?
A menina sorriu meio sem graça (Péééssima ideia vir ao dormitório masculino)
-Er, oi, Potter! O... Sirius está?
James apertou os olhos, desconfiado, e deu um passo para trás, abrindo espaço para a garota.
- Ele está no banho. Você pode esperar se quiser – Sarah acenou e entrou, sentando na cadeira mais próxima à porta. James se jogou na cama que a garota supôs ser dele, e o único barulho que se ouviu era o chuveiro ligado no banheiro. Depois do que pareceu ser uma eternidade, ela quebrou o silêncio.
- Sabe... não foi sua culpa – James levantou uma sobrancelha e a encarou, desconfiado – o jogo. Black realmente se destacou. E você não está com o melhor time montado – James se sentou na cama, o cenho franzindo, e Sarah continuou – Vocês jogaram bem, de verdade. Mas seu apanhador é muito grande. Precisa ser alguém que ofereça menos resistência ao ar, para ser mais rápido. E pelo próprio Pomo de Ouro, onde diabos estava a cabeça do seu goleiro?
Antes que James pudesse responder algo, a porta do banheiro abriu e, junto com o vapor da água quente, saiu por ela também Sirius, o peito nu ainda molhado, e os quadris cobertos por uma toalha bordô. Sarah engoliu em seco com a visão do rapaz. Aquilo definitivamente não era como ela tinha imaginado que seria.
- Cooper? – ele usava uma segunda toalha para secar os cabelos. Sarah prendeu a respiração por um momento enquanto seu olhar acompanhava a flexão dos braços dele – O que você está fazendo aqui?
Sarah se levantou num pulo, saindo do transe momentâneo que ele lhe causara.
- Eu... preciso falar com você – ele apertou os olhos, como que medindo-a, antes de responder.
- Pode esperar eu me vestir?
Sarah fez que sim com a cabeça. Ela se abraçava com um dos braços, e permaneceu assim até que Sirius arregalou os olhos para ela.
- Ah, claro! Eu... te espero aqui fora – saindo rapidamente e fechando a porta atrás de si, ela soltou um longo suspiro. ”Péssima, péssima ideia!”
Não demorou muito e Sirius saiu pela mesma porta, já vestido.
- James vai precisar se vestir em breve, então é melhor conversarmos aqui.
Sarah fez que sim com a cabeça, e começou a procurar as palavras que ensaiara na noite anterior.
- Eu... – Ela não conseguia encará-lo, então toda vez que levantava o olhar para seu rosto, o desviava rapidamente – Eu queria te pedir desculpas. Eu não devia ter sido tão dura com você. Eu fiquei chateada, e eu menti pro Filch por sua causa... Eu odeio mentir... E eu não precisava te chamar de egoísta, arrogante e otário...
- Você não me chamou dessas coisas...
Sarah fez uma careta constrangida. Pensara tanto naqueles predicativos que jurava que os tinha dito em voz alta.
-... E eu não devia ter ignorado o seu bolinho, também. Então... Me desculpe – antes que Sirius respondesse, ela puxou do bolso (expandido magicamente) um bolinho de caldeirão e ofereceu para ele – Espero que não seja muito tarde para me desculpar...
Sarah o olhava, a ansiedade tanta que ela sentia o coração batendo na ponta dos dedos.