Hogwarts University

À parte do cabelo vermelho, Samantha Potter não estava acostumada a chamar atenção. Dona de uma estatura vários centímetros inferior à média e de redondas bochechas que lhe conferia um ar inocente e infantil demais – estava sempre precisando sacar a identidade para provar que não, não tinha três anos a menos -, foi somente depois da mudança radical no modo de se vestir, muitos meses atrás, que Sam começou a atrair olhares masculinos. E era exatamente por isso que ela inadvertidamente ignorava o rapaz bonitinho que tentava flertar com ela no portão de desembarque do aeroporto de Hogsmead.

Além de não estar prestando atenção, a ruiva estava ocupada demais tentando conter a sua ansiedade. Mal acreditava que depois de um ano - um ano inteiro! – ela finalmente encontraria com a dona do nome escrito em glitter na plaquinha que segurava. Aquela placa de identificação era desnecessária, claro, já que Amy e ela se conheciam literalmente desde o berço (ou antes, até, alguns diriam), mas a cafonice do nome brilhando era uma piada interna que as irmãs compartilhavam desde a pré-adolescência.

Quando o topo de um rabo de cavalo tão vermelho quanto os próprios fios de Sam despontou entre a infinidade heterogênea de homens de negócios e universitários à caminho do novo semestre, um largo sorriso se espalhou em seu rosto, e a jovem se sacudiu no lugar em uma tentativa de não sair correndo e gritando em direção a Amy.

Assim que a irmã chegou, ela fingiu não reconhecer os próprios traços:

- Amelia Potter? Ela perguntou, jocosamente, para logo em seguida abraçá-la no que as gêmeas sempre chamaram de “abraço de urso” – Nem acredito que você realmente está aqui! – ela se afastou um pouco para olhá-la novamente e a abraçou mais uma vez.

O garoto que tentava flertar com Sam mais cedo agora cumprimentava o amigo recém-chegado de viagem. Ajudando-o com uma das malas, ele o cutucou, apontando para as meninas com o queixo.

- Olha só, uma para cada! – ele comentou, alto o suficiente para que elas ouvissem.

Seu amigo sacou um cartão de visitas em se adiantou em direção às meninas:

- Caso vocês precisem de guias no campus – ele esperou que Sam pegasse o cartão, soltou uma piscadela e se afastou.

- Garotos de fraternidade – Sam revirou os olhos ao ler o cartão, mas deu uma risada que Amy com certeza acharia muito parecida com a das patricinhas de quem elas intimamente zombavam no colegial – Bem-vinda à universidade! Não vejo a hora de te mostrar tudo! Vem, o James tá esperando a gente no carro, e Meu Deus! Você precisa ver o apartamento que o papai alugou pra gente! Fica a 5 minutos do nosso campus, e...

Talvez seja chover no molhado dizer que as irmãs Potter tagarelam quando muito animadas ou nervosas.

Amelia “Amy” Potter não estava lá tão feliz por estar voltando para a Inglaterra. Se ela pudesse escolher, teria ficado na Alemanha mais um ano (ou quem sabe para sempre), tirando fotos e fazendo amizades com os idosos do bairro onde morava (ela não era muito boa em fazer amigos com pessoas da mesma idade). Mas os pais haviam lhe dado um ultimato – ou ela voltava para casa OU voltara para casa, então ela não teve escolha.

{na Segunda ela iria começar o curso de Letras na Universidade de Hogwarts, mas ela estava tentando não pensar muito naquilo}

Depois de localizar a irmã, as duas foram ao encontro do primo.

- Amy! - James correu até elas e a abraçou - Você cresceu! - Amy não hesitou em retornar o abraço. Ela era péssima com aquele tipo de contato pessoal, mas James era praticamente um irmão para ela e estava definitivamente na lista de 'pessoas seguras' dela.

Os três entraram no carro e tagarelaram o caminho inteiro até o apartamento onde as gêmeas morariam.

- Esse aqui vai ser o seu quarto - Sam abriu a porta do cômodo e Amy sentiu o coração aquecer ao ver que a irmã havia decorado o aposento do jeito que ela, Amy, gostaria. - Gostou? 

- Adorei. Tem até pôster do 'Siga em frente' - Siga em Frente era a saga de livros da qual ela era superfã (Sam também, apesar de fingir que já não gostava mais)

Ela deu uma volta pelo quarto analisando cada canto e encarou a irmã, por fim:

- Eu acho que vou conseguir me acostumar. - ela sorriu, sincera. Sam também era um grande motivo pelo qual ela topara voltar e Amy tinha certeza que, com a irmã ao seu lado, conseguiria suportar sua estadia ali.

(ao menos era o que ela esperava)

Os mais diferentes instrumentos musicais se espalhavam pelo primeiro andar de um pequeno prédio antigo localizado a poucos minutos do campus principal da Universidade de Hogwarts. Composta por três andares, aquela era uma construção peculiar – o subsolo abrigava um pub frequentado majoritariamente por universitários barulhentos (o lugar não era exatamente conhecido por pedir carteira de identidade aos clientes), uma loja de música ocupava todo o térreo e os dois andares acima eram divididos entre o loft de Sirius Black e o estúdio que ele montara para ensaiar com a The Marauders.

Os ensaios da Marauders aconteciam mais ou menos da mesma forma: Remus, o baixista, e Peter, bateirista, chegavam pontualmente. Depois de tocar o interfone por pelo menos cinco minutos, eles conseguiam arrancar Sirius – vocalista, guitarrista – da cama e, mais uns dez ou quinze minutos depois, James – guitarrista principal – apareceria, pedindo desculpas pelo atraso, possivelmente culpando a esposa ou o filhinho pequeno pelo atraso. Quase meia hora depois do horário marcado, a banda finalmente começaria a praticar.

Naquele domingo, no entanto, mais de uma hora já tinha se passado, e James até agora não tinha aparecido. Remus deslizava preguiçosamente os dedos longos pelo baixo, em um canto, enquanto participava aqui e acolá da conversa dos amigos.

- Desculpa o atraso, o voo da minha prima atrasou e eu só consegui chegar agora. – James entrou esbaforido, já tirando a guitarra do seu case e começando a plugar os amplificadores.

- Você podia ter avisado, cara – Pete se dirigiu à bateria, girando uma das baquetas nos dedos.

Remus deu uma olhada em seu relógio de pulso e correu os dedos pelos cabelos castanhos, meio sem jeito.

- Eu só vou poder ensaiar por uma hora, galera – ele falou e enfrentou olhares reprovadores dos demais. – Eu tenho que terminar de planejar o plano de aulas – ele deu de ombros.

- Rá! – Peter riu – É verdade, o Remikins vai virar professor de verdade. James, que testava a afinação da guitarra, riu sob a respiração:

- Aposto que o Moony vai pegar todas as alunas – ele abriu o sorriso brincalhão de sempre e soltou uma piscadela para o amigo, que apenas revirou os olhos e resmungou um “Vamo logo?”


***

Remus estava sentado no fundo da sala de aula, tentando conter os próprios nervos. Não imaginava que fosse ficar tão ansioso com a simples ideia de que precisaria lecionar. Ele já tinha passado por aquilo durante o tirocínio do mestrado, mas ainda havia algo que remexia seu estômago mesmo ali, já no fim do doutorado.

O Professor principal daquela cadeira dava o discurso padrão de abertura quando uma garota ruiva se esgueirou pela porta e sentou na primeira cadeira livre que encontrou – ao lado dele – ela estava pelo menos uns quinze minutos atrasada, e Remus fez uma anotação para prestar atenção nela durante o semestre (toda turma tinha um aluno-turista, que só aparecia de vez em quando, então era melhor ele estar preparado para aquilo).

- Gostei da camisa – ele sussurrou ao ver a referência a Siga em frente (uma de suas séries de livros favoritas) estampada na camiseta dela.

- ... e é assim que gostaria de apresentá-los o nosso professor assistente desse semestre... – o professor falava lá na frente

O sorriso tímido dela fez com que ele automaticamente pensasse que ela era bonita – e o jovem professor teria repelido aquele pensamento imediatamente, se não tivesse ouvido o seu nome sendo chamado.

- ... o senhor Remus Lupin...

Remus se levantou de supetão, e pigarreou antes de sorrir e cumprimentar a sala.

- Vai ser um prazer trabalhar com vocês esse semestre – ele puxou a pasta que carregava (um presente dos amigos quando da sua aprovação no mestrado) e se dirigiu à frente da turma, abrindo oficialmente os trabalhos daquele semestre.

Amy torcia as mãos nervosamente do lado de fora da sala de aula –  estava quinze minutos atrasada e ponderava se não seria melhor desistir de uma vez...Mas ela era responsável demais para matar aula e decidiu que era melhor pagar um mico do que perder a matéria. Ela se esgueirou pela porta torcendo para que ninguém reparasse nela e se jogou na primeira cadeira vazia que viu.
 
Por sorte o professor não interrompeu seu discurso e ela escapou de uma situação embaraçosa.
A verdade é que ela tinha se atrasado não por ser irresponsável ou algo do tipo, mas sim porque havia se perdido pelo campus até finalmente tomar coragem de perguntar a alguém onde ficava o prédio do curso de Letras – Sam cursava Direito, então as duas iam para campus opostos e a tentativa de mapa que a irmã lhe desenhara não a ajudara em nada.
 
- Gostei da camisa – o aluno sentado ao lado dela sussurrou e ela se sobressaltou um pouco antes de se lembrar que estava vestindo sua camisa velha e desbotada de Siga em Frente.
 
Ela encarou o rapaz e sorriu timidamente. Antes que pudesse agradecer, o rapaz se levantou e se apresentou para o resto da turma como Remus Lupin, o professor assistente daquela matéria.
 

Amy decidiu, enquanto prestava atenção no discurso dele, que talvez ela fosse gostar de História.

Sirius estava de ressaca e muito, muito mal humorado. Remus havia ligado para que ele fosse entregar um livro que ele esquecera ali no campus, esquecendo-se completamente que o amigo não funcionava bem antes do meio dia.
 
- Ele acha que não tenho mais nada pra fazer? - ele resmungou enquanto procurava pelo prédio certo.
 
Não é lá que Remus estivesse errado – Sirius Black era rico o suficiente para não precisar se dedicar a outra coisa que não a música– mas Sirius precisava de suas horas de sono, caramba. Ainda mais depois de uma noite de bebedeira.
 
- Acho que vou escrever uma música sobre isso - ele refletia - 'I need an 8 hour sleep'...hmm, soa bem. 
 
Sirius estava tão distraído que não percebeu que uma pessoa também distraída vinha na mesma direção que ele. Os dois deram um esbarrão tão forte que ele derrubou o livro e seus óculos escuros entortaram em seu rosto.
 

- Ouch! - ele resmungou depois da colisão e só depois de pegar o livro no chão é que ele reparou que havia esbarrado em uma garota ruiva, aparentemente bem mais nova que ele – Não olha por onde anda não, pirralha?

Quando você não vê a sua irmã gêmea há um ano, é normal precisar de tempo para colocar o assunto em dia, e o fato de quem Sam e Amy ficaram até tarde conversando na noite anterior era só um dos motivos pelo qual Samantha estava atrasada naquela manhã.

Sam sabia que sua aparência no primeiro dia de aula – mesmo se você já fosse uma veterana – era extremamente importante, e, determinada que estava a ter uma experiência melhor na faculdade do que tivera na escola, a garota não ousaria sair de casa com um único fio de cabelo fora do lugar.

Os sapatos novos dela estavam apertando, e os saltos eram mais instáveis do que ela previra, mas tudo bem, eles continuam servindo para atravessar o campus com o equivalente a uma tonelada em livros nos braços, um café daquela cafeteria famosa e ainda ler as notícias no celular, né?

O choque contra um corpo maciço foi tão inesperado que ela caiu no chão, espalhando livros e papéis soltos por todos os lados e manchando a blusa branca novinha de café.

- Mas que mer... – ela resmungou, mas, antes de terminar o palavrão, ouviu o que o rapaz, em pé à sua frente, bradava em sua direção.

- Você que não olha por onde anda, seu imbecil! Você deu conta de sujar meus livros, minha roupa e – ela quase choramingou ao ver o salto do sapato quebrado – e ainda deu conta de me deixar descalça. Inacreditável – ela terminou de juntar as coisas e se ergueu.

Ela fitou a aparência meio suja dele – dos coturnos e da calça rasgada até a barba por fazer - e girou os olhos.

- Da próxima vez que quiser pagar de rockeirinho por aí, melhor prestar atenção no caminho, velhote.

Direito Administrativo era, possivelmente, a coisa mais chata que Sam já tivera que estudar. Mesmo estando apenas na primeira semana de aula, ela já odiava a disciplina com todas as suas forças e, por isso, era com bastante má vontade que estava estudando no comecinho de uma quinta-feira à noite.

Foi com um certo alívio que ela jogou o livro para o lado quando ouviu a notificação de mensagens de seu celular. Abriu um sorriso ao ler o que estava escrito e, dando um pulo da cama, foi até o quarto da irmã. Amy estava recostada contra a cabeceira da cama e com o computador no colo, vestindo mais uma de suas camisetas velhas de Siga em frente e as calças do pijama.

- O que cê tá fazendo? – ela se sentou ou lado da irmã na cama de casal e espiou a tela do notebook. Uma careta se formou em seu rosto ao reconhecer o template do Tumblr – Nossa, você ainda usa isso?

Amy fecha um pouco a tela do computador e admite num tom defensivo:

- Uso. – ela dá de ombros - Eu gosto das fanarts.

- E você ainda posta as suas? - Sam sorri, animada, lembrando dos desenhos super elaborados que Amy costumava publicar sob o pseudônimo de Magic A - Posso ver?

Amy hesita um pouco antes de digitar um endereço no navegador e esticar o notebook para a irmã.

- Agora eu faço os desenhos digitalmente – ela pontuou, parecendo envergonhada.

Foi difícil para Sam não estranhar a reação da irmã. Até passarem aquele ano separadas, as duas compartilhavam tudo – de roupas e sapatos a sonhos e segredos – e, por mais que tivessem trocado inúmeros e-mails e incontáveis mensagens instantâneas, ainda existia aquela intervalo emocional entre elas.

- Wow, Ames! - Sam puxou o computador para o colo e começou a analisar os desenhos - você melhorou muito! Eles são incríveis! Esse tá lindo! - ela inclinou a tela na direção de Amy - é de quando a Tess e o Seth atravessam o vale escuro para derrotar o ogro?

- Eu sempre soube que você ainda acompanhava Siga em Frente - Amy comentou, olhando pra irmã com um sorrisinho no rosto - essa cena é muito boa, não? Quando Seth impede a Tess de cair naquele buraco... E se sacrifica por ela... E o Rowling termina o livro ali... Fale sobre plot twist eh?

- Aquela cena é sensacional! – Sam se empolgou e se ajeitou na cama, sentando de frente para Amy – Meu Deus, eu nunca achei que fosse ficar tão tensa lendo um livro! E eu só percebi que estava prendendo a respiração quando fechei a capa... Não vejo a hora de sair o livro novo!

O modo divertido com que a irmã a encarava fez com que ela revirasse os olhos e sorrisse, culpada.

- É, eu admito, eu ainda gosto de Siga em Frente... Mas enfim, eu vim falar com você porque a banda do James vai tocar mais tarde, e ele chamou a gente pra ir... topa?

Amy puxou novamente o notebook para o colo e se remexeu na cama, dando a impressão de que o simples convite a incomodava.

- Não sei, Sam...você sabe que eu não sou muito chegada a locais lotados.

- Qual é, Ames... você fala como se a banda fosse o Maroon V. – Sam cutucou a irmã de levinho – Vamos, vai... você ficou tanto tempo longe que eu vou ficar culpada de te deixar sozinha em casa. Por favor?

- Mas é quinta, Sam. Nós temos aula amanhã cedo! - Amy sabe que é um argumento fraco, mas ela não queria dar o braço a torcer.

- Em Hogsmead, quinta é o primeiro dia do fim de semana, Amy. E é só uma saída, a gente não precisa virar a noite... Além disso, todo mundo sai em dia de semana. Assistir aula de virote é uma daquelas coisas pra cortar da sua bucket list.

-Tá... – ela girou os olhos - Mas só porque é a banda do James. – Colocando o computador de lado e levantando da cama, ela continuou - Vou trocar a calça...

- Er... – Sam fita a irmã, meio atônita – a blusa também, né? Aliás, porque você não toma um banho e eu te mostro os truques de maquiagem que aprendi?

Mesmo desconfiando de que Amy jamais a deixaria passar mais que um pouco de blush nela, Sam sorriu, confiante, na esperança de que aquilo fosse convencê-la.

- Qual o problema com a minha blusa? - Amy olhou para baixo e percebeu que a camiseta tinha uns furinhos. - Ok...a blusa também.

Depois de tomar um banho rápido, Amy tentou com todas as forças se desvencilhar dos truques de maquiagem da irmã, mas sucumbiu e foi convencida a passar ao menos um pouco de rímel e de brilho labial.

- Não sei quem estamos tentando convencer... – ela resmungou enquanto Sam tentava acertar o tom do próprio blush.

A gêmea mais “vaidosa” encarou a irmã pelo espelho e suspirou, o pincel do blush ainda suspenso no ar.

- Eu não sei você, Amelia, mas eu tô tentando convencer minha irmã gêmea de que ela é uma gata – Sam falou, como se aquilo fosse muito óbvio e, ao ver a expressão descrente da outra, estreitou os olhos e apontou o pincel para o reflexo dela, ameaçadoramente – e ai de você que me diga o contrário!

Apesar da ameaça, Sam dá a língua para Amy e volta a aplicar a maquiagem, despreocupada.

– Por que você não vai chamando o Uber?


***

O Três Vassouras era um pub meio apertado e, contrariando as expectativas da Sam, estava bem cheio. Ela passou enlaçou o braço ao da irmã e sorriu – precisando abaixar um pouquinho a cabeça graças à diferença de altura proporcionada pelo salto alto:

- Prometo que você vai se divertir.

E, sarcasticamente, Amy lhe responde:
- Mal posso esperar...

Sam sorri da irmã e bate levemente o ombro contra o dela.

A banda já tinha começado a tocar quando as meninas conseguiram entrar. A música animada reverberava nas paredes, e aquilo foi o suficiente para que Sam começasse a se balançar. Ela até considerou chamar a irmã pra frente do palco, mas sabia que Amy preferiria morrer a encarar a plateia dançante.

- Quer beber alguma coisa? – Ela gritou por cima da música – Eu pago!

- Um refrigerante. Eu... Eu vou ficar ali – ela aponta pra um lugar vazio mais ao fundo do pub.

O bar estava tão cheio que Sam demorou duas músicas e meia para conseguir pegar as bebidas e voltar para o canto em que Amy escolhera ficar. Mesmo de salto, dali do fundo ela mal conseguia ver o topo da cabeça da banda e sem muito sucesso em fazer a irmã dançar, ela acabou desistindo de ver o primo e ficou apenas se sacudindo meio de costas para o palco, aproveitando para tentar impedir que o motoqueiro barbudo em frente a elas desse uma cotovelada acidental em Amy.

Para o azar delas, foi a conta certinha da bebida de Sam terminar – mais duas músicas – para que o vocalista anunciasse o fim do show.

- Droga, a gente se atrasou muito... – Sam resmungou para a irmã.

- Bom, não devíamos ter perdido tanto tempo escolhendo roupas...

Sam decidiu ignorar aquele comentário.

- Ames, aproveita que a frente tá esvaziando agora e vai falando com o James? Eu preciso de outra bebida, encontro com vocês lá.


Se parecia uma má ideia pedir um drink antes, agora, com o fim da apresentação, era pior ainda. Todas aquelas pessoas que antes dançavam animadas agora se apinhavam no balcão, tornando aquela atividade uma tarefa hercúlea para uma garota baixinha.

Quando deu por si, Sam estava quase colada com um rapaz alto e de cabelos castanhos.

- Desculpe por isso – ele comentou, e sorriu meio sem jeito.

- Pfft, não é culpa sua – Sam sacudiu a cabeça e voltou a procurar, esperançosa, o bartender.

- Hey, eu te conheço! – ele estreitou os olhos para ela – Siga em frente, certo?

As sobrancelhas de Sam se franziram em dúvida e ela o interrogou com o olhar.

- Você estuda no prédio de Letras, certo? – ele ergueu o indicador e apontou para si mesmo – Remus Lupin. Professor de História e Evolução da Língua Germânica?

A expressão de Sam se aliviou ao entender que ele a estava confundindo com Amy – deuses, ela estava desacostumada com aquilo! – e ela ia desfazer o mal entendido quando parou para observar a aparência do rapaz. Ele era muito bonitinho (de um jeito meio nerd, mas ainda assim) e, se a irmã havia chamado a atenção dele o suficiente para que a cumprimentasse em um bar lotado de mulheres altas e bonitas, ela não tinha porque cortar o barato, certo?

- Claro! – Ela concordou com a cabeça – Desculpe não ter te reconhecido, você parece diferente.

Remus sorriu meio sem jeito, e o bartender finalmente resolveu atendê-los.

- O que vai ser?

Ele pediu uma água e ela, uma cerveja.

- Eu preciso ir – Remus falou, depois de pegar sua água – Vê se não se atrasa amanhã! – Ele brincou, simpático, e sorriu, logo se afastando em direção à porta do Pub.

Sam sorriu para as costas do rapaz e estalou a língua contra os dentes.

- Bom trabalho, Amy! – ela murmurou para si, antes de ir procurar a irmã e o primo.

Sirius encarou a garota a sua frente com raiva - mas ela não reparou porque ele estava de óculos escuros.

Antes que ele pudesse retrucar, no entanto, a garota se afastou mancando - ele até teria se oferecido para ajudá-la, mas a pirralha foi tão mal educada que Sirius decidiu que ela merecia.

- O Remus me deve uma breja - ele voltou a andar - Velhote...francamente...

***

- E essa foi a The Marauders! - Sirius bradou no microfone - Quem estiver interessado nós temos uma página no facebook... - ele piscou e acenou para umas garotas que estavam mais perto do palco e se afastou para ajudar os amigos a guardarem os instrumentos.

Remus, como sempre, foi o primeiro a dar no pé - ele tinha aula no outro dia e Sirius, James e Peter toparam tomar uma rodada de cerveja juntos (Sirius sabia que para ele aquele número aumentaria...)

- Amy! - James exclamou quando uma garota baixinha se aproximou dele. Era ruiva e definitivamente familiar...

- Pirralha - ele murmurou ao reconhecê-la. Mas ela estava diferente aquele dia, sem as roupas estilosas e salto alto.

- E aí, curtiu nosso som? - James passou um braço ao redor do ombro dela.

A garota concordou:

- Vocês são bons...

Sirius decidiu, naquele momento, perdoá-la pelo encontro do outro dia. Ela tinha bom gosto, afinal.

Sam encontrou com algumas amigas no meio do caminho e parou para conversar, de modo que quando se aproximou da mesa em que Amy e a banda estavam, a conversa já fluía.

- Jamieeeee! – ela abraçou o primo-irmão por trás (coisa que só conseguia fazer quando ele estava sentado) – Vocês arrasaram, foi demais!

Sem perceber que ficara de costas para os demais – quando você não bebe muito e está em uma super dieta, um drink e uma cerveja são mais que o suficiente para te deixar altinha – ela se encostou na mesa e ficou de frente para ele.

- A gente só viu um pedaço do show, mas o repertório parece legal! Só achei que o vocalista deu uma desafinada naquele cover do final...

Outras duas coisas que Sam não percebeu é que ela estava falando alto demais e que o vocalista da banda estava bem ao lado de James.

Amy foi apresentada aos outros integrantes da banda (menos o baixista) e teve a leve impressão, enquanto cumprimentava-os meio timidamente, de que o vocalista não tinha ido com a cara dela.

- E cadê a Sam? - James perguntou enquanto a guiava até uma mesa (vantagem de ser um músico da casa)

- Ela foi pegar mais cerveja 

James fez uma careta e ela se segurou para não rir:

- Às vezes eu esqueço que vocês já são maiores de idade...


****

Depois de Sam prometer que iria para casa de táxi (e que não exageraria na bebida), Amy aproveitou a deixa de James para pegar uma carona para casa - ela já tinha ficado muito tempo no pub e já sentia uma dor de cabeça daquelas vindo.

- Obrigada pela carona, James - ela se despediu do primo com promessas de que visitaria ele e a esposa qualquer dia desses e entrou em casa. Colocou o pijama e mandou uma mensagem pra irmã 'já estou indo dormir, mas qualquer coisa me liga - A'


***


Amy já estava em seu lugar de sempre (no fundo) quando o professor substituto chegou. Ela puxou uma folha do fichário e, ignorando os desenhos no canto da página, começou a anotar tudo que Remus Lupin falava. Era um pouco difícil para ela enxergá-lo dali do fundo (talvez ela precisasse de uma visita ao oftalmologista), mas ela se recusava a mudar de lugar.  Gostava de sentar ali naquele cantinho, longe dos olhares dos outros alunos e dos professores (sem contar que era uma zona segura de interações)

O professor parecia estar fazendo contato visual com ela e Amy escorregou um pouco na cadeira, evitando olhá-lo.

Só quando Sam apareceu é que Sirius entendeu que ela era a pirralha do esbarrão e por isso a outra pirralha sentada meio encolhida na mesa não o reconhecera.

Ele decidiu, ao escutar a crítica de Sam, que gostava mais da gêmea caladona.

(primeiro ela o chamava de velhote e depois ainda tinha a pachorra de dizer que ele havia desafinado?)

Ele abriu a boca para protestar, mas James pareceu perceber e deu um chute nele por baixo da mesa.

- Sam, quero que você conheça o resto da banda - ele começou a dizer - Aquele ali é o Pete, o baterista...e esse aqui o Sirius Black, vocalista.

Pelo menos a pirralha teve a decência de parecer envergonhada, ele ficou satisfeito ao notar (e desejou que o bar fosse um pouco mais iluminado para ter o prazer de ver o rosto dela ficar vermelho).

****

Sirius não sabia porque estava fazendo aquilo se nem gostava da garota, mas merda, ele não podia simplesmente deixá-la largada no bar, à mercê de universitários tarados e bêbados.

James nunca iria perdoá-lo.

Foi por causa do amigo de longa data que ele decidiu ajudá-la (e também porque ele não era um ser humano tão desprezível assim)

- Você quer ficar quieta? - ele resmungou enquanto subia as escadas do prédio com ela. A garota estava tagarelando coisas sem sentido e pra uma baixinha ela até que estava dando trabalho.

Depois de destrancar a porta do apartamento, ele a guiou até o sofá (ele não era tão bonzinho para deixar com que ela ficasse com a cama).

- Se quiser vomita, vomita no chão. No sofá não... - ele explicava, mas sabia que era em vão. - E vê se manda uma mensagem pra sua xerox, pirralha. - ele girou os olhos ao notar que ela já dormia. 

- Pirralha fraca... - resmungou enquanto ia para o banheiro.

Remus estava cansado. A dobradinha tocar + dar aula no dia seguinte parecia puxada, e ele nem se importou muito com o fato de que a garota do Siga em Frente evitava a todo custo encará-lo de volta.

Talvez porque ele tivesse esquecido de perguntar o nome dela? Dando de ombros e pensando no artigo que precisava ler para as aulas do doutorado, ele foi até a cantina e pediu um café. Olhando ao redor, percebeu que a ruivinha sentara em uma mesa afastada. O local estava cheio – céus, ele estava realmente ficando velho, os únicos rostos da graduação que ele reconhecia eram de seus alunos... – ele foi até ela.

- Hey... se importa se eu sentar? – Remus sorriu amavelmente e, talvez um pouco rápido demais, pousou sua pasta em uma das cadeiras vazias e se sentou em frente a ela, dando um gole do café – gostou da aula?

Um solo de guitarra ao longe fez com que Sam levasse a mão à cabeça. Céus, Amy precisava ouvir música logo de manhã cedo? E se a cozinha ficava do outro lado do apartamento, porque ela estava ouvindo uma colher batendo contra uma panela?

As pálpebras de Sam se ergueram e, apesar da luminosidade excessiva, e do fato de que provavelmente perdera uma das lentes, ela enxergou uma mesinha de centro e poltronas de couro.

Mas as gêmeas não tinham nenhuma poltrona de couro.

Sam se sentou de vez – e se arrependeu ao ver tudo girar – e olhou ao redor. Não fazia a menor ideia de onde estava, mas tudo ali indicava que aquele era o loft de um homem. Pânico definia bem o seu estado de espírito, e, ao ouvir um assovio atrás de si, se virar e ver um rosto conhecido fritando ovos na cozinha americana não melhorou nenhum pouquinho.

- Sirius Black? – Ela chamou o nome que o primo dissera na noite anterior, sua voz esquisitamente rouca e embargada. Levantando-se, ela andou até encostar no balcão que dividia os ambientes – Que lugar é esse? O que eu... – Os olhos castanhos se arregalaram ao pensar na possibilidade de ter dormido com ele – nós...nós não... nós não...né?

- Transamos?

O modo como ele falou pareceu piorar a ideia na mente de Sam, e, com uma careta, ela apenas acenou que sim, era aquilo que ela queria dizer.

Remus Lupin ocupou a cadeira antes mesmo que ela pudesse se pronunciar (não que ela fosse negar, aquele lugar estava lotado e ela estava sozinha, afinal):

- Ahm...sim, gostei. - ela respondeu, meio sem jeito e aproveitou o silêncio que se seguiu para dar uma boa olhada nele: ele era alto, vestia um suéter e os cabelos estavam penteados pra trás.  E tinha um sorriso bondoso. Mas mesmo assim Amy não sabia mais o que dizer...ela era péssima naquele tipo de coisa - Sam sempre foi a gêmea extrovertida.

Falando em Sam... Amy puxou o celular do bolso e mandou mais uma mensagem para a irmã. Não a vira de manhã cedo e suspeitava que ela tinha dormido na casa de uma amiga (um aviso teria sido legal...)

Sirius soltou uma risadinha da ingenuidade da jovem a sua frente. 

- Óbvio que não, pirralha - ele serviu os ovos mexidos em dois pratos - Se tivéssemos transado você definitivamente estaria sem roupas. - ele falou aquilo casualmente, ignorando o fato de que aquilo poderia deixar Sam incomodada - Essa é minha casa. 

Ele fez sinal para que ela se servisse de ovos. Não costumava ser tão legal daquele jeito, mas ele sabia como era ruim acordar faminto pós-ressaca.

- Eu te trouxe pra cá porque você tava jogada lá no pub. 

Ele a encarou agora e tentou não rir da aparência desgrenhada dela:

- Escuta, pirralha - como era o nome dela mesmo? - Onde estavam suas amigas? Elas provavelmente deram no pé ontem e te deixaram pra trás.

Ele pegou um pouco de suco na geladeira e o bebeu direto da caixa:

- Você previsa rever suas amizades, sabe.

Para bom entendedor, meia palavra basta: ao ver Amy puxar o celular do bolso e começar a digitar, Remus puxou o próprio tablet de sua pasta e começou a ler o artigo que precisava. Por mais que tentasse se concentrar, os olhos acabavam parando sobre a ruiva à sua frente – não de um jeito esquisito ou sexual, mas, antes, com curiosidade. Embora ele tivesse certeza de que era a mesma pessoa com quem falara na noite anterior, algo estava muito fora do lugar.

No bar, ela tinha sido simpática e expansiva, enquanto ali, dava a impressão de que cavaria um buraco no chão e se esconderia, se pudesse.

- Gostei da camiseta – ele falou, por fim, porque aquele silêncio era insuportável demais e, se antes ele achava que seria uma boa ideia se sentar com uma aluna, o silêncio incômodo estava transformando aquilo em um verdadeiro desastre – Embora eu ache O Retorno do Jedi um filme melhor que Ataque dos clones.

A simples ideia de estar sem roupa na frente dele fez com que as orelhas de Sam esquentassem, e ela tinha certeza de que estava tão vermelha quanto os cabelos. Ela se sentou em um dos banquinhos e estava já estava se servindo dos ovos quando Sirius explicou porque ela estava ali e perguntou pelas suas amigas.

Hannah e Allison eram suas colegas de curso e eram basicamente as únicas amigas de Sam no campus.

- Elas só tinham ido ao bar, aposto que ficaram me procurando depois que você me sequestrou – ela mentiu, porque sabia que as duas eram, sim, bem capazes de largá-la sozinha no meio da noite – mas obrigada mesmo assim – ela murmurou, antes de enfiar uma garfada na boca.

(Se não estivesse com tanta fome...)

- Até que você não é o grosseirão que eu achei que fosse – aquilo era pra ter sido um elogio e, por isso ela sorriu para ele.

- Acho que tenho que concordar - Amy olhava para a própria camiseta - Mas essa era a única estampa disponível na loja...  - ela deu de ombros e ajeitou os óculos.

Depois de dar um gole em seu café ela voltou a falar - assuntos de cultura pop faziam parte de sua zona de conforto.

- Os filmes da franquia antiga são bem mais legais que os novos...exceção de O Despertar da Força, que superou todas as minhas expectativas...A Rey é demais! - ela parou de falar ao perceber que estava tagarelando e ficou surpresa ao notar que Remus sorria em sua direção. 

Até que ele era bonitinho - ela pensou, mas logo se deteve. Ela não devia pensar aquele tipo de coisa de um professor... (mesmo que substituto)

Remus notou que duas covinhas surgiam nas bochechas dela quando ela sorria.

- Você tem toda a razão, O despertar é um ótimo filme, mas eu desconfio de que é apenas por ser uma trilogia nova... Mas nada vai superar o efeito que eles conseguiram fazer nos anos 70!

Ele sorriu deu um gole do seu café

– Mas então, agora que eu sei que você tem bom gosto, que tal o show ontem? Ouvi dizer que o baixista errou algumas transições – ele brincou, e, sorrindo, a observou por cima do seu copo.

Sirius girou os olhos ao ouvir a palavra 'sequestro', mas aquiesceu e antes que pudesse retrucar uma resposta espertinha, a porta do apartamento se abriu e Felicity, sua namorada apareceu:

- Merda. - ele resmungou, se levantando. Ela com certeza interpretaria tudo errado. - Hey, babe - ele foi até a namorada e tentou beijá-la para distraí-la, mas Felicity não caiu no joguinho dele. Ela se desvencilhou e encarou a ruivinha da cabeça aos pés.

- O que significa isso, Sirius?

- Eu posso explicar... - ele sabia que aquela frase denotaria que ele tinha feito algo errado, mas Felicity não deixou ele se explicar.

- Mais uma das suas groupies? E menor de idade...? Você não tem vergonha, Sirius Black?!

- Se você deixasse eu explicar! - ele girou os olhos, já de saco cheio daquela demonstração de ciúme - Ela é prima do James e passou mal ontem. Ela dormiu na porcaria do sofá e não aconteceu nada.

Não eram nem dez horas da manhã e ele já estava passando raiva. Sabia que seu momento bonzinho lhe traria dor de cabeça...

- Ah, bom, eu gostei do som dos caras... - ela pousou os olhos na mesa, meio envergonhada - Mas sou suspeita pra falar...um dos integrantes é meu primo.

- E você? - ela o questionou de volta - Curtiu? 

Se tivesse esbarrado em Remus Lupin no Três Vassouras na noite anterior ela decididamente não teria se importado de puxar papo com ele (ok, ela sabia que não teria sido capaz de iniciar uma conversa por conta própria, mas mesmo assim...teria sido legal vê-lo)

- Sam! - uma garota loira se aproximou dela - Por que não foi pra aula? E Star Wars? - ela disse por fim, ao notar a camiseta dela.

Amy encarou a garota - já tinha visto-a numa foto do instagram da irmã, como era mesmo o nome dela...? 

- Eu acho que você tá me confundindo com minha irmã. - ela falou, por fim. Quando se é gêmea você tem que se acostumar com esse tipo de situação. Até os pais confundiam as duas - Eu sou a Amy.

- Ah...gêmeas, claro. - a garota riu - E então...viu a Sam por aí?

- Não... -ela franziu a testa - Achei que ela estivesse com vocês...

Antes que a garota pudesse dar uma explicação, o celular de Amy tocou e ela suspirou aliviada ao ver o nome da irmã.

Sam seguiu Sirius com o olhar e viu o momento exato em que a loira a olhou com desprezo. A ruiva até abriu a boca para avisar que tinha idade suficiente, muito bem, obrigada, mas fechou os lábios ao perceber que aquilo não vinha ao caso.

- Prima do James?! – Felicity a olhou de cima a baixo e soltou um risinho – Você podia pelo menos tentar um pouco mais, Sirius! Com esse cabelo cor de fogo ela no máximo seria prima da Lily... É oficial, eu desisto de você! Não vou ficar competindo com menininhas do colegial, isso é ridículo!

Mais uma vez, Sam engoliu a resposta sobre a idade.

- Licença... – ela interrompeu a torrente de pensamentos de Felicity – ele tá falando a verdade. Eu sou prima do James e... não aconteceu na—

Felicity levantou um dedo, como quem manda o outro se calar e, por alguma razão, Sam o fez.

- Nem me faça começar com você! Seria uma pena se seus pais descobrissem o que a filha anda fazendo por aí, huh? Quer saber? Não vale a pena – ela jogou a chave contra o peito de Sirius – Adeus, querido.

Enquanto Felicity batia a porta atrás de si, Sam fitou Sirius com com uma cara culpada:

- Desculpe... Eu, eu já vou – ela escorregou para fora do banquinho e começou a se calçar – Tem alguma coisa que eu possa fazer? Eu posso mostrar minha identidade pra ela, ou, uma foto do James guri? – ela parou em frente a ele – Qualquer coisa?

Sam fitou-o e começou a estalar os dedos, ansiosamente.

- Okay... Desculpe, Sirius. De verdade. E obrigada. Mesmo – ela começou a andar em direção à porta, até que parou e se virou para ele novamente:

- 23 – ela disse, do nada – Eu tenho 23. Anos, eu quero dizer. De idade. 23 anos de idade. Eu sou maior – a tagarelice tinha voltado a fazer efeito – desculpe, de novo. Eu fico te devendo uma.


***

Sam esperava não ver Sirius novamente tão cedo, mas, no fim daquela tarde, estava buzinando o que acreditava ser o apartamento do rapaz. Sem perguntar quem era, ele liberou o acesso e ela subiu os dois lances de escada.

- Oi, er, desculpa aparecer do nada... é que eu... acho que esqueci meu celular aqui?

Remus observou a cena toda com curiosidade. Então, haviam duas delas. Isso explicava a mudança no comportamento (muito embora, ele puxou pela memória, a garota com quem ele conversou na noite anterior tivesse agido como se já o conhecesse...).

Olhando a hora no relógio, ele percebeu que se quisesse chegar a tempo na sua próxima turma, precisaria começar a se mexer – e ainda precisava passar na biblioteca para pegar emprestado o livro que Sirius deveria ter lhe entregado no começo da semana, mas que perdera.

Com um sorriso e um aceno de cabeça, ele se despediu de Amy – agora, sabia o nome dela – e foi o caminho todo se perguntando quem seria o primo das gêmeas. Lembrava de James ter comentado alguma coisa, mas duvidava que fosse ele – durante a graduação, Sirius e Remus haviam frenquentado algumas festas de família dos Potter, e, se fosse este o caso, ele já as teria conhecido. Bem, talvez fossem primas do Pete. Perguntaria no próximo ensaio.

***

Remus pousou a caneca de chá em sua escrivaninha e abriu a tampa do notebook. Os dedos longos digitaram no navegador o endereço que lhe já era tão conhecido. O Fórum Sentido único reunia fãs da saga Siga em frente desde a publicação do primeiro volume da série, e já era tão parte da vida dos leitores mais ávidos que há tempos não era apenas um lugar para conversar sobre literatura: toda sorte de desabafos e conversas e assuntos pessoais eram compartilhados por ali.

Remus abriu o chat e ficou alguns instantes tentando entender qual era o assunto naquela tarde.

Seth973: Cara, só uma semana de aula e meus professores estão me soterrando de trabalhos. Ninguém avisou que a faculdade ia ser tão puxada.

VoidTess: Tô contigo, cara. Você precisa ver meu professor de cálculo – parece um sapo de frente e, de costas, um espelho convexo

Tess357: Ai gente, credo, na minha época de faculdade os professores eram melhorzinhos.

Remus sorriu e começou a digitar:
McWerewolf: Olha, como professor, eu me sinto lisonjeado com o conceito que vocês têm da classe

Tess375: Hey, McW! Faz tempo que você não aparece por aqui! Como foi a primeira semana de aulas? Entrou gente nova na pós? Alguma gatinha?

Remus sorriu. Tess375 sempre dava um jeito de perguntar sobre sua vida amorosa. Havia até um bolão no grupo sobre quando eles iam sair juntos – Mas Remus achava muito esquisita a ideia de um encontro às cegas, assim (e a 375 lhe dava um pouco de medo, era preciso admitir).

McWerewolf: Foi tudo bem, T375. E é um campus universitário, sempre tem gente entrando e saindo.

MagicA acaba de entrar na sala

McWerewolf: MagicA? Você não é a garota do Tumblr, é?

Amy ficou encarando a pergunta de McWerewolf sem saber o que responder - não é que fosse uma pergunta muito difícil, mas ela não queria soar convencida na resposta (e vai que ele era, sei lá, um stalker? Ela não gostava de se expôr muito na internet)

MagicA: sim, eu tenho um tumblr...

Tess357: puxa as suas fanarts são geniais! Eu adorei a daquela cena de Siga em Frente...Seth e Tess...tão romântico, não acha, McWerewolf? (suspiro)


Amy sabia que era patético, mas não podia evitar o sorrisinho orgulhoso após o elogio. Depois de agradecer, ela e o resto do pessoal do chat embarcaram numa discussão sobre os possíveis acontecimentos do próximo livro de Siga em Frente (um de seus tópicos favoritos...ela tinha tantas ideias em mente)

***

Amy agradeceu a barista com um sorriso tímido e suspirou satisfeita ao sentir o cheiro do café - por Yoda, aquilo já era o suficiente para despertá-la. Antes que pudesse degustar a bebida, porém, seu corpo colidiu no de outra pessoa e ela largou tudo o que segurava no chão ao tentar se proteger do líquido quente.

- Desculpa - ela murmurou. Droga, Sam iria matá-la - tinha emprestado aquela blusa nova para ela ('você precisa parar de usar essas blusas de fandom....')

James estava dedilhando uns acordes quando a porta do apartamento de Sirius se abriu e Sam apareceu:

- O que você tá fazendo aqui? - ele encarava o amigo que tinha se levantado para entregar o celular para Sam - Aconteceu alguma coisa entre vocês dois?

Sirius encarou James e revirou os olhos. Já não bastava Felicity...

- Não aconteceu nada.

James continuou encarando-o como se duvidasse daquilo.

- Eu não transei com sua prima, James, pelo amor de Deus - ele foi direto ao ponto - Só impedi que universitários bêbados se aproveitassem dela.

James olhava para Sam agora. A prima parecia que gostaria de ser engolida por um buraco negro e, bem, aquela definitivamente não era a reação de uma pessoa que tinha tido uma relação sexual (se fosse Amy ele até duvidaria, mas Sam era a gêmea mais soltinha, então...ok, ele ia parar de pensar na vida sexual das primas)

Sirius olhou para Sam e até teria achado divertido o quão sem graça ela estava, mas merda, ela já tinha arrumado confusão o suficiente para ele...tudo porque ele ainda tinha um coração e uma consciência.

- Tente não passar do limite da próxima vez, Samantha - ele a aconselhou. 'E arranje uns amigos mais legais...' - mas ele sabia que ela já tinha aprendido a lição e não precisava ficar relembrando-a daquilo. 

Ele voltou sua atenção para James:

- E então,o que achou dessa letra...?

- Não sei, Sirius...acho que já tivemos conteúdos melhores...

Sirius se jogou no sofá, frustrado. Ele andava meio sem inspiração para escrever ultimamente, mas não queria continuar tocando covers nos shows.